Escolas de Umbanda se constroem por meio de atributos teológicos - fundamentos e práticas/rituais - e da propagação destes atributos. Tudo perfeito! Cada umbandista tem o direito de seguir a vertente que achar melhor. Cada pessoa tem liberdade de escolha - espera-se, e por isso pode tomar como base para sua conduta os ensinamentos que julgar mais apropriados.
Agora vejamos um exemplo: o Brasil é composto por estados. Cada estado tem seu costume, sua cultura e tradição. Imagine que um estado queira dizer abolir do Brasil os costumes, cultura e tradição de outros estados brasileiros que não o seu. Imagine que um estado tenha a cultura X, e queira dizer que o Brasil é de cultura X, excluindo as culturas Y, Z, W, A, B, C que existem no Brasil. Este estado tem este direito? Não, não tem. Mesmo que este estado não concorde com as culturas de outros estados, ele não pode simplesmente excluir aquilo do Brasil. Até porque, para justificar esta exclusão, em geral são usados argumentos preconceituosos e arbitrários.
Isso acontece na Umbanda. O problema de algumas escolas de Umbanda reside quando uma escola quer ditar o que é e o que não é Umbanda com base em suas convicções pessoais, no que acha bonito, no que vende, no que dá lucro, no que bem dialoga com os movimentos de seu interesse. É muito difícil falar em nome da Umbanda como um todo, pois a Umbanda como um todo é profundamente vasta, diversificada, fluida e rica culturalmente. Querer excluir culturas de dentro do macro umbandista é um crime análogo ao que fez o Cristianismo em sua expansão. Destruir, excluir, demonizar práticas culturais de outros grupos é errado, é preconceituoso. É comportamento de quem olha mais para o outro do que para si.
O resultado disso é um só: intolerância religiosa dentro da própria religião. Isso é mais comum do que pensamentos na Umbanda. O umbandista que não dialoga com o outro pois a Umbanda do outro, na visão dele, não é umbanda. O umbandista que demoniza a prática alheia. O umbandista que quer tornar a umbanda puritana apenas com as práticas que ele realiza. O umbandista que exclui teologias de outras umbandas de forma arbitrária, em busca de uma verdade absoluta (que é a dele). Ai temos tantos comportamentos péssimos, errados, deletérios frente à diversidade cultural que é a Umbanda... é triste.
Felizmente, e muito felizmente, a Umbanda não foi codificada. Não temos livro sagrado. Não temos sumo-sacerdote. Temos diversidade de pensamentos, práticas e lideranças. Isso genuinamente é lindo.
Eu posso não concordar com a umbanda que você pratica, mas isso não me dá o direito de dizer que isso não é umbanda. Eu posso discordar da tua teologia, mas isso não me dá o direito de ironizá-la e zombar dela. Isso sim, me dá o direito de debater, mas não de desrespeitar. Eu posso discordar profundamente do que você fala, mas isso não me exime o direito de te respeitar enquanto ser humano.
Precisamos de humanidade dentro da Umbanda. E não é a humanidade caritativa falsa que muitos promovem. É compreensão, é deixar o outro cuidar da vida dele. O que acontece muito é que umbandistas estão em guerra um contra o outro, mas escondem isso por completo por trás do branco. É uma "guerra branca". A humildade, a bondade e a mansidão se tornam máscaras, e a prática do mal só não ocorre no ritual, mas ocorre no mental. "Uma hora a conta chega", "uma hora Zambi pune", "uma hora Xangô arruma", "uma hora a casa cai"... essas são frases muito ditas para afirmar a sua umbanda e excluir a umbanda do outro.
Entenda: se a sua Umbanda tem guia e espírito de luz, a Umbanda do outro também pode ter. Você é Deus para dizer que não tem? O teu sagrado não pode camuflar o que é sagrado para o outro. Respeito é um medicamento preventivo, que garante bom senso e não hipocrisia.
Se a Umbanda do outro te incomoda tanto você tem que refletir sobre o motivo disso. Já dizia a psicanálise: "quando João fala de Pedro, João fala mais de João do que de Pedro". Se você não se garante na tua prática, não diminua o outro para ficar acima.
Criticar um argumento teológico é uma coisa que faz bem e solidifica/faz evoluir a Teologia de Umbanda. Enfiar-se no sagrado do outro para profaná-lo é no mínimo desrespeitoso.
Eu deixo então uma lição de casa... se você é da região sul-sudeste do Brasil, você conhece e legitima a Umbanda praticada, por exemplo, no Maranhão? Ela costuma ser drasticamente diferente do que praticamos aqui. E quem sou eu para dizer que ela não é Umbanda? Quem sou eu para dizer que o trabalho que eles fazem não é de Umbanda? Com base em quê? É Umbanda sim, é uma Umbanda linda, fantástica, e que temos que respeitar.
A Umbanda é um mundo. Quando você pensa que a conhece, você descobre que ainda tem muito para conhecer.
Saravá, axé!
Romes Bittencourt Nogueira de Sousa.
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