Pular para o conteúdo principal

Seu pai de santo não é seu pai! Sua mãe de santo não é sua mãe! Corrigindo posturas para evitar problemas...

Não é nada incomum que relações doentias (para ambas as partes) se construam entre dirigentes espirituais (pais de santo) e membros de um terreiro. Isso não tem relação direta com o dirigente ser ou não ser bom no que faz, ter ou não ter missão, ser ou não ser capacitado para exercer o sacerdócio. Isso tem relação direta com carências emocionais.

É muito comum que as pessoas, de modo geral (e aí estão inclusos os médiuns de um terreiro) tenham famílias desajustadas, relações não tão legais com pais, filhos, companheiros, etc. É muito comum que o núcleo familiar da pessoa não seja perfeito. Isso encontra um campo fértil para consequências deletérias dentro da umbanda, local em que há um paternalismo/maternalismo muito forte, pois o sacerdote é chamado  de "PAI", e a sacerdotisa de "MÃE". Assim, se uma pessoa não tem uma boa relação  com seu pai de criação, ela pode transferir inconscientemente esta figura  para seu pai de terreiro. A pessoa pode enxergar no dirigente da casa um substituto inconsciente e simbólico  para seu pai, que por motivos  diversos não ocupa  este local integralmente na psique do médium.

Acontece que delegar para um terceiro o papel de pai/mãe traz uma série  de responsabilidades, e sobretudo EXPECTATIVAS! Passa-se a ver aquele dirigente como uma figura superior, passível de santidade e idolatria. Passa-se a esperar posturas amorosas e acolhedoras do dirigente. Passa-se a esperar que ele assuma este papel, e que o médium assuma a figura  de "filho".

Isso toma proporções  desastrosas quando  o pai/mãe de santo toma para si a "missão" de realmente ser um "pai" ou "mãe". Frases como "eu preciso cuidar", "é minha missão", "te amo como filho", são facilmente ouvidas. Isso pode esconder uma necessidade interna e inconsciente do sacerdote/sacerdotisa de sempre ocupar papéis patriarcais ou matriarcais. Cabe ao dirigente descobrir o motivo disso e trabalhar tais questões.

Ocorre que, por mais que, num contexto perfeito, em que o  filho  de santo queira ser "filho", e que o pai de santo queira ser "pai", as coisas não funcionam bem assim. Estes papéis não se concretizam na prática, deixam brechas, não são reais. Isso é muito dolorido de se admitir quando  se está em relações assim. Admitir que, em geral, seu pai de santo é ("apenas") um orientador, e nada além disso, não é fácil. Admitir que a figura antes divinizada é passível de falhas, e que  ela não vai suprir suas expectativas  não é fácil. Admitir que se está fora da realidade é duro e muito penoso. Machuca, pois toda expectativa sempre causa dor quando frustrada.

É por isso  que não basta observar estes  fenômenos sem tirar lições! Algumas, dentre várias outras, são:

- Relações espirituais precisam ser construtivas, libertadoras e promotoras de independência. Qualquer coisa que contrarie isso pode se transformar num literal processo obsessivo.

- Os sacerdotes precisam ser mais bem formados, sobretudo pessoal e subjetivamente. Precisam resolver questões internas, resolver seus conflitos e limitações, para aí sim exercerem um sacerdócio livre de vícios emocionais. Acontece que temos a péssima máxima de que o sacerdote não precisa fazer terapia, que não precisa se cuidar mentalmente, pois seus guias farão isso... não é por aí! O sacerdote não é um super-homem ou super-mulher, e, por estar num papel de liderança, tem um potencial muito grande de impactar negativamente a vida de terceiros.

- Os sacerdotes precisam estudar psicologia em sua formação. Eu concordo muito que não se forma  sacerdote em curso, mas se o sacerdote  quiser fazer um curso de preparação, este precisa envolver questões sobre a psique humana, sobre comportamento e seus conceitos fundamentais. O problema é que estamos ensinando religião nos cursos de sacerdócio, pensando estar formando religiosos, mas não, estamos formando mais que religiosos! Estamos formando líderes. Líder lida com pessoas.  Líder precisa ter postura para consigo mesmo e para com outros. É  essencial.  Caso contrário, corremos o risco de formar bons incorporadores e não  bons seres humanos, sobretudo para si. 

Aqui estão alguns apontamentos, algumas reflexões.  Não pretendo  esgotar o assunto, mas trazê-lo para o debate. É  essencial criarmos relações humanas mais eficientes e mais concretas, menos ilusórias e causadoras de sofrimento. É essencial pensarmos/sentirmos antes de falar e agir.

Saravá Umbanda!

Romes Bittencourt Nogueira de Sousa.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Linha das Crianças na Umbanda: uma crítica a limitação humana aos seus trabalhos espirituais

O que faz com que  um Erê de Umbanda precise ser uma entidade dependente das demais e não possa realizar trabalhos diversos por si só, isto é, sem "supervisão" de um Caboclo ou Preto-Velho? O que faz com que um Erê de Umbanda não possa fazer trabalhos de prosperidade? Idem, para desmanche de magias negativas? Idem, para  diversas  coisas de cunho "material"? Qual o motivo pelo qual os Erês precisem ser entidades limitadas? Qual o motivo pelo qual muitas vertentes teológicas de umbanda engessem o trabalho da linha das Crianças? Quais as evidências concretas para o engessamento? Evidências? Quais são as evidências? Livro não é evidência. Argumento de autoridade (isto é, meu pai de santo disse, meu Guia disse...) não é evidência. O  fato de um erê ser assim não é evidência. Afirmar por afirmar não é evidência. Quando pensamos numa teologia livre e pensante, a questão da linha das Crianças é algo intrigante. Parece que o mesmo tabu colocado sobre a esquerda.  no que tan

Umbanda: Teologia para além do terreiro

 

Onde está a ciência na Teologia de Umbanda?

Muitas coisas são encobertas  no véu da palavra "ciência" para se afirmarem verdadeiras. Tem-se um peso maior numa afirmação quando se diz que ela tem bases científicas, que há argumentos científicos que a corroboram, ou que não há argumentos científicos que a inviabilizem. Ciência é uma palavra de peso.  Eu concordo com tudo isso, e penso que quando uma afirmação ou ideia é alicerçada na ciência, ela de fato ganha mais respaldo. Mas o que as vezes é esquecido  é que dizer que algo é científico traz uma série de responsabilidades por trás. Não se pode querer que um dogma seja científico, pois a ciência é um exercício de questionamentos constantes. Não  se pode querer que argumentos de autoridade sejam científicos, pois eles não encontram espaço no teste de hipóteses. Não se pode querer que inúmeras coisas sejam cientificas se de fato elas não estão alicerçadas em um método replicável, questionável e debatível.  Não são raros os que afirmam que a Teologia da Umbanda é  a ciênc