Reflexões acerca da Epistemologia Umbandista: a origem e transmissão do conhecimento religioso umbandista
Resumo
Trata-se de um apontamento a cerca de como se constrói e se transmite o conhecimento umbandista na atualidade. A Umbanda, religião brasileira de inúmeras influências culturais, elenca em sua teoria e prática elementos de diversas fontes epistemológicas, que se transmitirão através de diversas vias. O presente trabalho pretende tratar, de forma sintética, das vias de construção do conhecimento umbandista, de sua transmissão, e daquilo que influencia ambos os processos.
Palavras-chave: Umbanda; epistemologia; teoria do conhecimento.
Introdução
Conforme diz Grayling (1996), Epistemologia é o ramo da filosofia dedicado a investigação da natureza, fonte e validade do conhecimento. Tal área se manifesta no universo das religiões de maneira controversa e peculiar a cada movimento religioso, uma vez que, para cada religião, há formas diferentes de se acessar e validar conhecimentos.
Evidente é que a maioria das grandes religiões alicerça a base de seus conhecimentos em textos sagrados. Outras alicerçam seus conhecimentos em oralidades, ou seja, conhecimentos passados de geração em geração. Na oralidade se situam os conhecimentos adquiridos e repassados por quaisquer via, exceto a escrita.
Conhecimento oral e gestáltico
Evidente é que na Umbanda, assim como ocorre em uma vastidão de outros movimentos religiosos, não existe apenas um conhecimento oral (seja este transmitido de geração em geração ou via Guia Espiritual-Médium). Existe na Umbanda um conhecimento gestáltico, ou seja, marcado pelo indivíduo que pratica a religião. Este indivíduo está inserido num contexto biopsicossocial e veio de um outro contexto biopsicossocial, portanto, possui, já ao entrar na Umbanda, um conjunto de crenças formado. Assim, o conhecimento na Umbanda, a primeira vista e em sua maior expressão, parte da oralidade, seja ela física ou espiritual, e também do próprio praticante, detentor dos fundamentos particulares da sua Umbanda.
Com o passar do tempo, houveram, e fracassaram, as tentativas de tornar o conhecimento umbandista codificado e unicamente pautado na escrit. Apesar de algumas casas embasarem seus estudos através de livros, tal peculiaridade não se fez unanimidade. O conhecimento escrito ora se chocava com o conhecimento transmitido via espiritualidade, seja através de comunicação mediúnica direta ou através da intuição. Este, por sua vez, se entrelaçava e ainda se entrelaça diretamente com o conhecimento gestáltico.
Devido a Umbanda ser uma religião do povo, para o povo e livre de sistematizações, deu-se grande vazão ao conhecimento gestáltico e ao oral. Com tais características, natural seria que a Umbanda não se alicerçasse sobre um prisma de conhecimentos baseados em livros sagrados.
Deste modo, duas origens de conhecimento estão fortemente presentes para o umbandista: uma delas é oral, advinda da comunicação do Guia Espiritual ou dos ensinamentos do(s) superior(es) numa comunidade. Outra origem é gestáltica, marcada pela história, atualidade e perspectiva de futuro do praticante umbandista em si. Essas duas fontes se entrecruzam a todo instante, se originando daí, por exemplo, o fenômeno de animismo mediúnico, cujo não é pretensão de discussão do presente artigo. É importante deixar claro que, com o crescimento da Teoria de Umbanda Sagrada, deu-se uma vazão maior ao conhecimento escrito, embora este não seja, e nem esteja perto de ser unanimidade no meio umbandista.
Cresce na atualidade, assim como a origem de conhecimento escrito, o conhecimento baseado em vídeos e cursos a distância. Daí tem-se também a reflexão sobre a origem de tal conhecimento, e nota-se que, em primeira instância, ele surgiu da mescla entre o conhecimento oral, físico ou espiritual, e o conhecimento gestáltico.
Deste modo, cada umbandista pensa de um jeito e ensina de um jeito. Cada Umbanda é verdadeira para o Umbandista que a pratica, mas pode não ser para um segundo. Fala-se portanto de Umbandas, isto é: um conjunto grande de conhecimentos e práticas que se alicerçam sobre uma mesma religião, sendo esta, a Umbanda. Não é nosso enfoque dizer aqui o que precisa ou não ter num sistema religioso para fazer deste ser considerado Umbanda.
Conhecimento umbandista nas massas: universalidade e particularidade
O conhecimento religioso umbandista, estruturado sobretudo na oralidade e no gestaltismo, pode se dividir também em universal e particular. Os conhecimentos universais são todos aqueles que pertencem a grande maioria dos templos de Umbanda. Os particulares são aqueles que se restringem a um ou outro grupo. Em geral, os conhecimentos particulares possuem uma grande influência gestáltica, enquanto que os conhecimentos universais estão, em geral, estruturados por via oral, e estes são aqueles que serão transmitidos em meios escritos e virtuais de transmissão do conhecimento. Como as fontes do conhecimento umbandista estão se misturando a todo momento, não se pode, no entanto, dizer que um conhecimento é plenamente universal ou plenamente particular, e nem mesmo que conhecimentos universais sejam sempre de origem oral e conhecimentos particulares sejam sempre de origem gestáltica. Há uma mescla entre tudo isso, o que também acontece na comunicação escrita e virtual.
O umbandista é – ou deveria ser – um sujeito pensante, e assim interage com tudo aquilo que o cerca, e no conhecimento umbandista não é diferente. É devido ao sujeito umbandista e a permissibiliade teórica e ritualística da religião que a Umbanda é uma religião vasta e culturalmente rica.
Ciclicidade e hegemonia
Antes de se tornar universal, um conhecimento sempre foi particular. Tal particularidade foi crescendo e se disseminando, até chegar ao ponto de poder ser considerada universal. Nada nasce universal. O nascimento de um conhecimento já como universal pode dar origem a uma outra religião. Há um fluxo dinâmico entre universalidade e particularidade. Conhecimentos hoje universais podem ser particulares no amanhã e conhecimentos hoje particulares podem ser universais na posteridade. Está-se aí diante de um processo cíclico. O conhecimento umbandista, ao passar do tempo, pode, portanto, ser considerado cíclico.
A ciclicidade do conhecimento umbandista obedece a hegemonia intelectual ou linhática do momento. Tem-se assim um conhecimento baseado, naquela etapa, em algo que se estrutura e ganha bases de massa, pois tem potencial para convencer um número maior de pessoas. Isso acontece tanto em pequenos núcleos, sendo assim um conhecimento cíclico baseado numa hegemonia linhática, quanto em grandes núcleos, em que, quase sempre, a hegemonia passa a ser intelectual.
O Empirismo e a não cientificidade
Devido a influência do gestaltismo no conhecimento umbandista, este é subjetivo, flexível e não científico. Subjetivo e flexível devido a não ser exato. Não científico pois a Umbanda é uma religião, assim sendo, não há isolamento de fenômeno para estudo, não há testes de hipóteses, não há experimentação. Ora determinada coisa é aceita, e assim será enquanto esta for hegemônica.
O cientificismo ao qual se atribui a algumas escolas umbandistas está relativo somente ao embasamento do que aquela escola ensina, mas não ao método que se utiliza para se chegar a este conhecimento. Assim, pode haver evidências científicas que embasem algo na teoria umbandista, mas não há investigação do umbandista, a não ser com seus Guias e sua consciência (e aí estão inclusas as possíveis fontes exteriores a se consultar), para se validar este conhecimento.
A base empírica na Umbanda é grande. A racional parece ser pequena. O empirismo embasa o gestaltismo, e assim embasa a oralidade, sobretudo a oralidade física. É desta base empírica que surge um “dogma” umbandista: a umbanda só se aprende no terreiro (poderíamos debater este dogma, mas não é este o objetivo deste artigo).
Conclusão
A Umbanda é magnificamente vasta em teoria e ritual. A isso se constitui a cultura umbandista. Esta variedade é marcada por um conhecimento oral, físico ou espiritual, aliado a um conhecimento gestáltico, que neste pode embasar conhecimentos obtidos a partir de literatura e meios virtuais. Ao se avaliar a Umbanda como um todo, percebe-se que existem conhecimentos universais e outros particulares. Os universais, em geral, possuem maior influência oral, e os particulares, maior influência gestáltica. A transmissão do conhecimento, de geração em geração obedece a um processo cíclico profundamente influenciado pela hegemonia presente em sua contemporaneidade. Em geral o conhecimento umbandista é marcado por profunda influência empírica e pouca racional. É subjetivo, flexível e não científico. É religioso, e isso é a umbanda, uma religião profunda em conceitos e rituais, cujas reflexões oriundas de seus conceitos e rituais amplifica ainda mais a profundidade desta religião.
Referências Bibliográficas
Grayling, A C. Epistemology. Bunnin and others (editors); The BlackwellCompanhion to Philosophy. Cambridge, Massachusetts: Blackwell Publishers Ltd, 1996.
Por: Romes Bittencourt Nogueira de Sousa
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